Acordei às 6 horas com a sensação de que estava perdendo líquido. Me levantei rapidamente... “Será que estou com tanto sono que para não acordar meu corpo resolveu perder xixi?”
Estava mesmo cansada. Cinco horas antes tinha assistido ao nascimento do Henrique. Eu estava cansada mas muito feliz. Foi um lindo parto natural na suíte de parto do Hospital da Unimed. Seus pais, Mônica e Paulo, estavam super felizes com tudo que tinha acontecido. E eu e Isabel tínhamos voltado para casa, naquela madrugada, com nossa alma renovada.
Mas aquele líquido que saída de dentro de mim não era minha bexiga cansada. Me levantei e o
líquido continuou saindo. Fiquei parada no banheiro sem conseguir pensar em nada. A Esther tinha 36 semanas e nós havíamos combinado que ela ficaria na sua casinha o tempo que quisesse, eu pedi muito a ela que ficasse até 42 semanas, mas sabíamos que eu não poderia controlar este tempo...
“Quésia, o que aconteceu?” – Murmurou Arthur, incomodado com a claridade que vinha do banheiro ... “Amor, está saindo um líquido...” “Pode ser xixi?” “Acho que é..” – não consegui acordá-lo, ainda... “Então termina de fazer e vamos dormir mais, está muito frio...”
Terminei de fazer o xixi, minha bexiga estava cheia mesmo. Tomei banho e vesti uma calça de
algodão. Andréia chegou e preparou o café. Mostrei a ela a calça. Havia uma manchinha de líquido. Fui tomando café e de 10 em 10 minutos olhava a manchinha, que só aumentava...
“Hemmerson, estou com incontinência urinária grave.” – mandei para ele uma mensagem de
celular. “Mas a Andréia já chegou e está lavando as últimas roupinhas da Esther”.
Imediatamente o telefone tocou: “Por que você gosta de brincar com coisa séria? Eu nunca sei se você está falando a verdade...O que está acontecendo?” -- Hemmerson tinha entendido o recado...
“Amor... Você já tomou café?” – Arthur chegou na sala. “Hum-hum... Olha...” – mostrei a ele a mancha molhada na calça, que àquelas alturas já era bem grande... “Bolsa rôta?” – Ele me abraçou forte. Sabia que agora a partida da nossa filhinha poderia estar muito próxima, e que estávamos diante do incontrolável.
“Hemmerson está vindo...”
Era bolsa rôta. Hemmerson almoçou conosco. Telefonamos aos nossos pais, que moram a 960 e
1400 km de nós, para que viessem. “Hemmerson, pode ir embora que vou no hospital olhar como está a Mônica e vou fazer as unhas. Não posso segurar minha filha com as unhas assim.” Ele sorriu... “Não demore a me chamar, ok?”
Mônica estava radiante. O Henrique era um fofo de 3700 g e mamava sem parar. Arthur foi comigo até a suíte de parto, pegamos nossa banheira inflável e descemos os seis andares do hospital de mãos dadas. “Nívea? É a Quésia! Será que a Naiara pode ir fazer minhas unhas em casa? É que estou tendo algumas contrações...”
Naiara foi e comecei a sentir que não demoraria para o trabalho de parto chegar...“Pode passar Renda com Paris” – Consegui relaxar no meu sofá ouvindo as histórias da Naiara, minha manicure. Era um dos momentos prediletos da minha semana...
A Esther mexia sem parar...
Mas o trabalho de parto só engatou à noite. Eu sabia que seria assim. “É quando seu cérebro desliga” – dizia Hemmerson. Entrei em baixo do chuveiro com as luzes apagadas. Eu sempre fazia isto quando precisava me concentrar e relaxar, ou quando estava com crise de enxaqueca. Arthur entrou junto comigo e começou a fazer massagens.
“Amor, esse banheiro é muito pequeno. Quando a Isabel chegar, não vamos caber todos aqui. Na
casa nova vamos fazer um box que caiba doula ok?” Sorrimos e nos abraçamos, enquanto as contrações iam ficando mais fortes. Isabel chegou e ficamos caminhando pela casa, na penumbra. Deixamos apenas luzes indiretas e de abajours. Pedi ao Arthur para ligar para o Hemmerson. Senti que estava em fase ativa.
“Quésia, acho que é um bom momento para irmos. Suas contrações estão bem intensas e
teremos tranqüilidade para você se instalar em outro ambiente” centímetros. Hemmerson foi na frente para providenciar a internação. Sálua estava de plantão, uma ajuda providencial para que minha recepção fosse perfeita.
Arthur parou o carro na porta do elevador. Desci no sexto andar e conheci a enfermeira
Ana Paula. Um anjo que abriu as portas da suíte para nós. As luzes permaneciam apagadas e a Soraia já estava lá. O ambiente continuava pacífico e silencioso, como na minha casa. A Esther ainda mexia sem parar, o que me dava força e alegria.
“Isabel, pode encher a banheira, está ficando difícil...”. Arthur continuou comigo no quarto enquanto Isabel e Soraia enchiam a banheira. O banheiro estava perfeito. Quente, com minhas velinhas espalhadas. Entrar na água morna foi extremamente prazeroso.
Ficamos só eu e Arthur lá dentro. Cantamos, choramos e sorrimos. Eu estava muito feliz por
estar em trabalho de parto, tinha muito medo de ter que induzir o nascimento de minha filhinha, com 42 semanas. Mas eu também estava triste e confusa com a possibilidade do fim. Eu sabia que com bolsa rôta as chances de ela nascer com vida eram menores. E ainda sabia que a chance de complicações na saída eram maiores, no nascimento de bebês como a Esther.
Em algum momento esses medos passaram forte pelos meus sentimentos, e coloquei os dedos no canal do parto. A apresentação estava alta, e eu não conseguia perceber o que se apresentava.
“Quésia, cai na real! Seu parto é um parto distócico! Vai doer muito! Você não precisa sofrer, o expulsivo vai demorar muito...” -- Pensei...
Saí da banheira determinada: “Hemmerson, chama o Niwton.”
8
centímetros. Para mim não importava. Tudo estava muito bem, muito tranqüilo até
ali. Eu não queria estar desconfortável na chegada da minha filhinha, que ainda
se mexia muito. E a dor estava me deprimindo.
Niwton foi
fantástico. Passou um cateter de peridural na penumbra, em uma grávida que
gritava e se mexia sem parar. Mas eu sabia que ele era assim tão bom. Por isto
estava ali.
Me rendi ao
cansaço e dormi. Acho que todos fizeram o mesmo. E foram acordados com meus
gritos de dor quando se passou o efeito da dose do
anestésico...
“10
centímetros, Quésia, e ainda tem uma bolsa.” Hemmerson já tinha me dito isto
desde o começo, que era uma rotura alta, mas só naquele momento eu consegui
perceber a bénção que o Senhor tinha me dado: Minha filha ainda estava se
mexendo, a bolsa estava íntegra e só faltava o expulsivo! “Obrigada, Senhor,
pela delicadeza dos dedos do Hemmerson e pela resistência dessa parte da bolsa
que protege a cabecinha da Esther” – orei em meu coração.
Parecia que
não havia mais nada da analgesia. Senti uma dor muito forte em um ponto
específico da pelve e gritei muito no expulsivo. Gritar me ajudava a vencer o
medo. O medo da vida, do encontro com ela, do encontro com a realidade da doença
dela, o medo da morte...
Ela veio de
face. Agradeço ao Senhor também por isto. A bolsa rompeu só no final do
expulsivo, que foi rápido, segundo eles. Para mim foi uma
eternidade...
Fizeram
tudo exatamente como no nosso plano de parto. Foi tudo exatamente como eu e
Arthur sonhamos e pedimos ao Senhor durante a gestação. Quando a Esther saiu,
Soraia a secou, colocou a touquinha e me entregou minha linda
filhinha.
Ela estava
viva!!! Espirrou algumas vezes e segurou meu dedo firmemente. Segurei o cordão,
que pulsava a mais de 100 batimentos. Ela não estava bradicárdica e meu medo foi
diminuindo.
Pedi para
minha família entrar. Todos entraram, alguns sorrindo, alguns chorando. Falei
que podiam fotografá-la, que ela estava viva.
Senti a
placenta saindo. Hemmerson pediu para ficar só minha mãe e minha
irmã.
“Arthur,
quer cortar o cordão?” – alguém perguntou. Segurei no cordão, que já não
pulsava. E ela ainda estava apertando meu dedo, ainda estava
ali.
“Pode
cortar amor, já parou de pulsar”.
Arthur
cortou. E ela se foi.
Ela se foi
no mesmo momento em que ele cortou o cordão. O pior momento das nossas
vidas.
Ela soltou
meu dedo. E eu chorei alto. Era a pior dor que eu tinha sentido nas últimas
horas.
Choramos
todos naquela suíte de parto. Perdemos nossa filhinha, perdemos nossa
Esther.
Foi tão
rápido! Tão intenso! Tão maravilhoso!
Soraia
colocou seu mini-estetoscópio no tórax da Esther e confirmou: “Ela não está mais
viva, ela partiu”. Disse que foram 40 minutos de vida. Mas para mim foram 40
segundos. O que eu fiz naqueles 40 minutos, meu Deus? Onde eu
estava?
Lembro que
quando meus irmãos entraram na suíte eu levantei ela e mostrei todo o seu
corpinho para eles e logo a coloquei em contato com minha pele novamente, para
que não perdesse calor.
Lembro do
Arthur chorando e a beijando. Lembro dos sorrisos dele cada vez que ela
espirrou. E de ouvir ele dizer várias vezes: “Ela é linda, meu bem! Ela é
perfeita!”
Ficamos ali
ainda algum tempo, em silêncio, curtindo cada parte do corpinho dela. Nossa
família entrou novamente e oramos juntos, de mãos dadas, entregando a Esther ao
Senhor.
"O SENHOR
nos deu, e o SENHOR nos tomou: bendito seja o nome do SENHOR."-- Arthur susurrou
o texto de Jó 1:21b em meus ouvidos.
Me lembrei
do dia dois de abril, quando ficamos sabendo que nossa filhinha na verdade não
era nossa. Que teríamos que devolvê-la ao Criador em breve. E que Ele nos falou
claramente aquele texto enquanto olhávamos para a imagem na tela do
ultrassom.
Agradeci ao
Senhor por tudo. Por aquele parto maravilhoso. Pelo Hospital Mater Dei, pela
suíte de parto, pela equipe humanizada que nos atendeu e nos respeitou, pelo
Núcleo Bem Nascer...

Agradecemos, ainda, por cada um que ajudou a trasformar
nosso pranto em alegria:
- Hemmerson
Magioni, obstetra, que celebrou cada minuto da vida da Esther, antes e após o
diagnóstico.
- Júlio Couto, ultrassonografista, que continuou sendo médico mesmo sem possibilidade
terapêutica para nosso feto.
- Soraia Nogueira, pediatra, que nos acolheu e cuidou da nossa filhinha como se ela fosse
ser sua paciente por muitos e muitos anos...
- Niwton Toledo, anestesiologista, que ficou de plantão fora da suíte aguardando a
possibilidade de ser convidado a participar da nossa história.
- Isabel Cristina, doula, que com suas mãos conseguiu diminuir nossa dor e nosso
medo.
- Jane e Oswaldo Marra, fotógrafos, que choraram e oraram conosco, trabalhando com amor e
profissionalismo para que a história da Esther se eternizasse.
- Sandro Chaves e Márcia Salvador, diretores do Hospital Mater Dei, que receberam com
carinho nosso plano de parto e abriram as portas do hospital para nossa família,
permitindo que o nascimento e morte da Esther fossem tratados com respeito e
dignidade.
- Nossa família querida: pais, irmãos, cunhadas, primos, tios... que viveram ao nosso
lado todos os momentos, felizes e tristes, da história da Esther.



Quésia Tamara Mirante Ferreira Villamil
Mãe da Esther, 29-06-2011, 40 minutos na terra, para sempre
em nossos corações.

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