[freio]

Estava voltando de meu almoço. A moça subia a rua em um carro novo, bonito. Ela falava ao celular. Meus botões ouviram minha censura: - falando ao celular enquanto dirige. Eles mesmos lembraram-me que faço o mesmo, vez em quando.

Virando a esquina a jovem estacionou. Imaginei que tivesse ouvido meus pensamentos de condenação. Abriu a porta, saindo apressadamente e voltando em seu caminho. Ainda tinha o aparelho junto ao seu ouvido. A porta do carro ficou aberta. Apenas neste momento eu percebi que havia um homem maltrapilho sentado no meio fio. Ela pediu um minuto ao interlocutor e dirigiu-se aquele que jazia na calçada:

- O senhor está bem? Está com dor?

Meus botões me olharam com um sorriso no canto da boca, todos eles. Entendi o que queriam dizer.

O homem com feição de moléstia não estava passando mal. Apenas descansava de sua jornada. Foi alcançado pelo olhar de uma mulher ocupada, que decidiu parar a vida por um instante e, assim, assegurar-se de que seu igual não carecia de socorro.

Há momentos nos quais nosso espírito crítico precisa dar lugar a um olhar mais sensível, menos julgador e mais atento às pessoas, com suas mazelas e belezas. – pensei, fazendo a inevitável mea culpa.

Ademais, e talvez a grande lição na cena, é de se pensar que em todo instante somos convidados pelas urgências a acelerar a vida, colocando-a num ritmo que, apesar de alucinante, nos paralisa a essência. A decisão por frear não é fácil. A de enxergar o outro com misericórdia tampouco. Aquela mulher freou e isto disse muito do seu coração.  

Assistir aquilo foi para mim revigorante.

Da experiência conclui que colocar o pé no freio pode ser o início da re-descoberta da humanidade que há em nós. Do contrário o caminho se perde e dele não vemos nada. Deixamos de ver a estrada, com suas tantas paisagens e pessoas, correndo na direção de algo que talvez nunca alcancemos... e que talvez não importe.
Há que se colocar o pé no freio. É isto. Nem tudo tem que ser julgamento e pressa.

Nisto eu e meus botões concordamos.


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